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Quem Somos

 

 

 

(Prof. Júlio César Monteiro)                                                                                                   

 

 

 

                   Aquilo que se cria – a criatura – tem vida própria: nasce,
cresce, se desenvolve, morre e até ressuscita e, às vezes, se torna
independente do criador, embora exista necessariamente uma relação
umbilical entre eles. Isto é dito para ressaltar que aqui o foco central é aquela e
não este.
                  Cícero Paiva nasceu em Aracatiaçu, distrito de Sobral, filho
de Nelson e Altina. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1952, quando a cidade
era ainda Distrito Federal. Era o Rio romântico, discreto, amável, no qual se
concentrava a maioria da intelectualidade brasileira que frequentava o Café
Vermelinho, o Antônio’s, o Beco das Garrafas, sem essa multidão infernal que
há hoje. Podia até faltar água e faltar luz – como diz a letra daquela marchinha
de carnaval – mas sobrava charme. O Brasil enxergava o Mundo através do
Rio e o Mundo via o Brasil pelo prisma do Rio. Ali, Cícero teve contato com as
músicas americana, francesa, italiana e com o som brasileiro moderno de Dick
Farney, Lúcio Alves, Garoto e Johnny Alf e, no fim da década dos 1950,
conheceu e encantou-se com a Bossa Nova de João Gilberto e Tom Jobim e
seguiu com ela por toda a vida.
                    Retornou a Sobral em 1961 e em 11 de Novembro daquele
ano inaugurou no Beco do Cotovelo o Las Vegas Drink’s Bar – uma “casa de
lanches” – que rapidamente tornou-se o “point” da cidade, não só pelo
ineditismo de seus sanduíches (misto-quente, bauru, hot dog), mas também
pelo balcão em forma de U, rodeado de banquetas confortáveis,
invariavelmente ocupadas pelos “lacerdinhas” do Banco do Brasil. Esta fase
durou até 1969, quando houve a interdição do Beco para a construção do BNB.
                  O ponto foi arrendado e entre Janeiro e Junho Cícero residiu em Santos.
Ao retornar, Cícero fez uma pequena reforma no local, que
passou a se chamar Beth Lanches (o nome fazia uma alusão carinhosa à sua
filha). Com a construção do calçadão do Beco, entre 1978 e 1979, passou a se
chamar Beth’s Pizzaria – mais uma inovação trazida por Cícero – e mesas
foram colocadas no espaço para acomodar mais clientes à noite. Tornou-se
hábito, então, ter-se música ao vivo, hábito este que perdurou entre 1980 e
1997, cujo sucesso foi tanto, que durante certo período podia-se curtir música
de alto nível de Terça-feira a Domingo. Transformou-se no lugar-comum da
juventude universitária – eu inclusive – fã incondicional da conjunção de
capirinha de vodca (prodigamente servida pelo Adalberto), música ao vivo, um
bom papo e muita paquera. Vivia-se o ocaso da ditadura militar, era a época da
Anistia. Foram tempos de luta e glória. Isto sem falar na famosa “canja” de
                     Cícero com seu violão bossanovista, concedida invariavelmente de
madrugadinha, hábito que ele conserva até hoje, embora com mais raridade do
que gostaria. Enquanto escrevo, me vem um sopro de juventude, ao recordar a
festa dos 20 anos da Beth’s em Novembro de 1981, que durou até 5 da manhã
e provocou muitos comentários pela cidade. Eu guardava até algum tempo a
camiseta que foi traje obrigatório do evento, mas como a minha memória hoje
é apenas uma “vaga lembrança de que um dia tive memória”, não sei como,
quando e aonde a perdi. Junto com o sucesso da música ao vivo, veio de
cambulhada a idéia de fazer um festival de música em 1985, que marcou a
noite sobralense com o natural sucesso de tudo que Cícero faz.
                    A década dos 1990 começou com tudo. Como era
agradável passar, literalmente, o Sábado em companhia de Cícero e
de muita cerveja gelada. A conversa fluía fácil e nos tornamos amigos e somos
amigos até hoje, além do que, eles são meus padrinhos de casamento.
Vinícius de Moraes dizia: - “A pior solidão do Mundo é a companhia de um
paulista, mesmo que seja com um chops e dois pasté”. Pois Cícero é diametralmente o
oposto do sentido desta frase. A Copa do Mundo de
1994, nós a vimos na Beth’s e após cada vitória a comemoração era
apoteótica. Foi a Copa da catarse.
                    O clímax do sucesso da Beth’s foi sem dúvida a
famosíssima “Quinta sem lei”, que perdurou entre 1996 e 1997. Conheci gente
que vinha de Fortaleza, passava a noite na Beth’s e de manhã retornava à
capital. Eu mesmo, não me cansava de virar a noite ali, ia para casa, tomava
um banho e ia trabalhar “sóbrio como um bispo”. Em 1997, “the dream is over”,
“queimou-se a negra do doce”: não houve mais música ao vivo. Cícero já me
confidenciou mais de uma vez, que ele cometeu o erro de trazer de Fortaleza
grupos de “pagode-light” e isto afastou parte de sua boa clientela, fato que o
aborreceu muito, levando-o a zerar o episódio. Neste mesmo fatídico ano,
                   Cícero saiu do Beco que, sem a Beth’s, provocou na minha memória afetiva
um oco escuro, frio e sem som. Foi um choque para a maioria dos clientes,
mas foi necessário para ele. Surgiu então o Deol Bar, fazendo apenas uma
alusão à sua localização, na Rua Deolindo Barreto e que durou até Janeiro de
1998.
                   Em Janeiro de 1998, iniciou-se uma nova fase, com o
nome Cícero’s Bar, que a meu ver, é uma síntese de todas as outras, porém
muito mais intimista, como é de gosto do dono. Não importa que nome tenha a
criatura, o criador é o mesmo, cujo talento é invisível como a música e evidente
como o som e é como um bom vinho, que sempre melhora com o tempo.

 

 

 

 

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